Quando nos magoam e não conseguimos perdoar, ficamos dominados pelos seguintes sentimentos:
Quando nos magoam, qualquer que seja o aspecto em que nos sentimos afetados, há um movimento interior no sentido de imitarmos quem nos ofendeu como se um vírus nos tivesse contaminado. Há uma tendência para reagirmos mal não só com o agressor mas também conosco próprios e com os outros. É o mecanismo defensivo de imitação do agressor, como que por instinto de sobrevivência a vítima identifica-se com o seu agressor. Como se tivessem permanecido no inconsciente essas tendências destrutivas.
O ressentimento não é um sentimento de raiva saudável que se manifeste quando alguém nos magoa, o ressentimento instala-se de forma permanente e deixa-nos sempre alerta contra qualquer ataque real ou imaginário. O ressentimento traduz sempre a existência de uma ferida mal curada e, muitas vezes, leva a doenças psicossomáticas. Muitas vezes o ressentimento provo ca stress, chegando a afetar o sistema imunitário que, estando em permanente alerta, pode não reconhecer elementos patológicos e, deste modo, permitir a deterioração de órgãos sãos. Há estudos que mostram existir uma relação entre viver com ressentimentos e o surgimento de doenças imunodeficientes como a esclerose ou o cancro.
A pessoa que não sabe perdoar, dificilmente consegue viver o momento presente. Agarra-se obstinadamente ao passado condenando assim o seu presente e bloqueando o seu futuro. A sua vida está presa aopassado.
Esta é uma das respostas mais instintivas e espontâneas na tentativa de compensar o próprio sofrimento, infligindo-o ao agressor. A imagem do agressor humilhado e em sofrimento proporciona ao vingador um gozo narcisista, constituindo um bálsamo temporário para a dor, mas não o liberta do sofrimento e, esse alívio efêmero, a longo prazo transforma-se numa prisão. O instinto de vingança cega quem se deixa envolver por ele e, muitas vezes, agressor e ofendido entram num circulo de violência sem fim. A famosa lei de “olho por olho e dente por dente” lei de Talião não resolve nada, antes pelo contrário, aumenta a violência. Na dinâmica da vingança, a pessoa é levada por um impulso que depois se torna incontrolável. A obsessão pela vingança insere-se nessa espiral de violência e em vez de ajudar a curar a ferida, agrava-a. Decidir não se vingar é, assim, o primeiro passo para poder perdoar. Só o perdão rompe a espiral de violência e o desejo de vingança e pode conduzir a uma renovação das relações humanas.
Perdoar não é esquecer
Por certo, já ouvimos alguém dizer: “não posso perdoar porque não posso esquecer” ou “esquece tudo e passa à frente”. Esta é uma confusão muito frequente. Se perdoar é esquecer então, perdoamos o quê? O processo de perdoar exige uma boa memória e uma consciência clara da ofensa, o perdão ajuda a memória a curar-se mas não a esquecer, com o perdão a ferida perde o seu poder destrutivo.
O acontecimento doloroso vai perdendo a sua força negativa e vai-se tornando menos obsessivo, a ferida vai cicatrizando até que a recordação da ofensa deixa de ser dolorosa. Então a memória está curada.
Quem afirma “perdoo mas não esqueço” demonstra uma boa saúde mental, porque o perdão não exige amnésia. Mas, se com essa frase estiver a exprimir a sua decisão de não voltar a confiar, isso mostra que o processo do perdão ainda não está concluído.
Perdoar não significa negar
Quando se sofre um duro golpe, uma das reações mais frequentes é resistir ao
sofrimento evitando a dor e as emoções. Este mecanismo defensivo converte-se, com frequência, na negação da ofensa e da dor. Se este mecanismo persistir, a reação pode mesmo tornar-se patológica: provocar um nível de stress mais intenso ou uma frieza gélida que não permite saber o que se passa. Com frequência não se experimenta sequer o desejo de curar a ferida e, me nos ainda, de perdoar. Para poder curar-se é preciso reconhecer a ferida e sentir a sua dor para depois perdoar.
Perdoar requer mais do que vontade
Perdoar não é uma fórmula mágica capaz de resolver conflitos sem ter em conta os sentimentos. Este equívoco pode ter origem na educação que recebemos em criança quando nos pediam que perdoássemos como se se tratasse apenas de um ato de vontade e sem respeitar as nossas emoções, como se o perdão fosse apenas um ato de vontade e não o resultado de um longo processo que supõe pedagogia e sabedoria. O processo é lento e depende: da ferida provocada, das reações do ofensor, dos recursos do ofendido. Para que o processo seja autêntico devem ser mobilizadas todas as faculdades: sensibilidade, cor ação, inteligência, vontade e fé.
Perdoar não pode ser uma obrigação
O perdão ou é livre ou não é perdão. Mas há quem sinta a tentação de obrigar a perdoar livremente. É muito prejudicial esta pregação à obrigação de perdoar. O perdão é mais do que uma obrigação moral pois carece do seu caráter gratuito e livre. Inclusivamente, não nos damos conta da interpretação errada que fazemos quando rezamos o Pai-Nosso: “Perdoa as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, como se o perdão de Deus estivesse sujeito aos nossos pobres indultos humanos. Esta oração deve ser entendida como S. Paulo ensina:
“Como o Senhor vos perdoou, assim também fazei vós”
(Col 3, 13). Trata-se de uma exortação ao exercício da misericórdia, estando conscientes de que, também nós já fomos perdoados e, porque fomos perdoados, podemos perdoar.
Perdoar não significa sentir-se como antes da ofensa
É um equívoco muito comum crer que perdoar é restaurar a relação tal como estava. Perdoar não é sinônimo de reconciliação no sentido em que não retoma a relação no ponto em que estava. Por vezes isso pode acontecer mas outras vezes não e isso não significa que não se tenha perdoado.
A este respeito, o autor coloca a seguinte questão: poderemos recuperar os ovos depois de feita uma omelete? Na verdade não se pode voltar ao passado, no entanto, o conflito pode servir para se fazer uma avaliação da qualidade da relação que pode vir a ser recriada sobre novas bases, mais sólidas.
Perdoar não exige renunciar aos nossos direitos
Perdoar não significa que não se condene o agressor , perdoar não é renunciar à justiça. O perdão é um acto de benevolência gratuita e não significa renunciar aos direitos e à aplicação da justiça.
O perdão que não procura a justiça, longe de ser um sinal de força e nobreza, traduz sobretudo debilidade e falsa tolerância e incita indiretamente à perpetuação do delito.
Perdoar não significa desculpar o ofensor
Perdoar não é retirar ao outro a sua responsabilidade moral. Isso pode inclusivamente ser uma forma camuflada de minorar a própria dor, dói menos não considerar o outro responsável do que saber que o outro nos magoou conscientemente. Inclusivamente compreender as razões do outro não significa desculpá-lo.
Perdoar não é uma demonstração de superioridade moral
Alguns tipos de perdão humilham mais do que libertam pois o perdão pode ser um gesto sutil de superioridade moral, de arrogância. Perdoo para impressionar. O verdadeiro perdão do coração tem lugar na humildade e abre caminho à reconciliação. O falso perdão permite manter uma relação de dominador-dominado, é um gesto de poder sobre o outro e não um gesto de força interior.
Perdoar não consiste em transferir a responsabilidade para Deus
“O perdão a Deus pertence” é uma máxima que transfere para Deus a responsabilidade do perdão, como se tratasse de uma atitude com a qual nós, seres humanos, nada tivéssemos a ver. O perdão é um ato totalmente humano para o qual Deus não nos substitui, Deus não faz esse trabalho por nós. Outro aspecto completamente diferente é o fato de que, ainda que nós não saibamos ou sejamos capazes de perdoar, tenhamos a certeza de que Ele perdoa sempre, mas isso não obsta a que tenhamos de fazer o esforço de curar o nosso coração com o perdão.
“Se empreender pela via do perdão verdadeiro exige muito valia, evitar ceder aos falsos indultos não é esforço menor”
Os grandes paradoxos do perdão
Fácil mas muitas vezes inacessível.
Disponível, mas frequentemente esquecido.
Libertador para o outro, mas ainda mais para nós próprios.
Tão falado e tão mal compreendido.
Tão humano e, contudo, tão fantasiado.
Vital mas tão temido.
Concedido para a paz da alma e, no entanto, tão ameaçador.
Misterioso mas tão banal.
Tão divino e tão humano”
O perdão começa com a decisão de não se vingar. Esta não é uma atitude voluntariosa, mas sim uma decisão que vem da vontade de se curar e crescer.
O instinto incita à vingança mas, como já vimos, isso não trás bons resultados. Perdoar é quebrar o ciclo da violência, é negar-se a combater com as mesmas armas de ódio do adversário, é voltar a ser livre.
O perdão requer introspecção
A ofensa provoca confusão e pânico, a pessoa ferida sente-se perturbada, a sua integridade e tranquilidade interior foram ameaçada. A perturbação nas emoções contribui para a confusão nas atitudes da pessoa. Perante a ofensa a pessoa sente-se impotente e humilhada. As feridas mal curadas juntam-se assim a esta orquestra desafinada.
A grande tentação consiste em negar-se a tomar consciência da própria pobreza interior e em aceitá-la. São várias as estratégias psíquicas adotadas: negar o mal-estar, grande vontade de esquecer, fazer de vítima, gastar energia em encontrar culpados, procurar um castigo digno da afronta, acusar-se a si mesmo e fazer-se culpado ou ainda brincar aos heróis e fazer-se de intocável e magnânimo.
Ceder a estas atitudes compromete o êxito do perdão que requer libertar-se de si mesmo antes de poder libertar-se do agressor. O perdão requer a tomada de consciência de si mesmo, de todos os sentimentos que a ofensa desperta, perdoar o outro supõe que, antes, se perdoe a si mesmo.
O perdão convida a encarar novas perspectivas da relação humana
O perdão é um “convite à imaginação”. O perdão não é esquecer o passado mas antes a possibilidade de um futuro diferente do imposto pelo passado ou pela memória. Libertado dos seus dolorosos vínculos ao passado, o ofendido que perdoa pode permitir-se viver plenamente o presente, e ante, ver uma nova relação com o seu ofensor no futuro. Poder olhar com novos olhos, “re-ver”. É ter a capacidade de ver para além da ferida e do ressentimento, a partir de uma perspectiva mais ampla que oferece novos modos de ser e de atuar.
O perdão valoriza a dignidade do ofensor
Para poder perdoar é imprescindível que não se deixe de acreditar na dignidade da pessoa que nos feriu. É muito difícil fazê-lo “a quente”. É preciso dar tempo ao tempo. Por detrás do “monstro” descobrimos muitas vezes uma pessoa débil, frágil, psiquicamente doente, ferida... uma pessoa como nós, uma pessoa capaz de mudar e evoluir. O perdão não é somente libertar-se do peso da dor mas também é libertar o outro do juízo penalizador e severo que dele fizemos; é reabilitá-lo aos seus próprios olhos na sua dignidade humana.
O perdão é reflexo da misericórdia divina
Para os crentes, o perdão situa-se no ponto de convergência do humano e do espiritual. Perdoar etimologicamente significa “dar plenamente”, implica uma ideia de plenitude porque expressa uma forma de amor levada ao extremo. Amar, apesar da ofensa sofrida, requer forças espirituais que superam as forças humanas.
Fonte por Emma Martínez Ocaña do Livro ''A SABEDORIA DE PERDOAR E PERDOAR-SE''