Mais uma vez alguém passa na minha frente, pega meu lugar e eu congelo. Um misto de orgulho e complexo de inferioridade se confundem dentro de mim. Ao mesmo tempo, eu abro mão achando que o outro precisa mais, que eu estou bem e posso ficar sem; por outro lado, estou sofrendo, querendo receber, ser vista, ser cuidada, ser respeitada.
De tanto repetir esses comportamentos e atitudes em vários contextos na vida, chegou um momento em que algo aflorou tempestivamente e me deparei com a pergunta: quando será minha vez? Isso foi intrigante, pois nem ao menos me dava conta que estava atuando assim na vida e que essa era a resposta condicionada que eu dava diante de minhas necessidades. Responder abrindo mão, sem lutar, sem reivindicar, sem me colocar no meu lugar e respeitar isso.
Criada pela avó que já tinha muitos filhos, certamente eu era vista como mais uma, dentre tantos. Habituei-me a me virar sozinha enfrentando meus desafios e fui crescendo achando que tinha que dar conta de mim mesma e que não adiantava pedir. Era a minha realidade e desenvolvi o mecanismo de autodefesa para lidar melhor com as fragilidades que surgiam. Isso foi se transformando aos poucos em couraças, em pontos de congelamento no corpo e nas emoções, e passei a elaborar meus sentimentos e reações de maneira mental e estrutural. Era como me via e me percebia.
Suplantando minhas necessidades, voltei-me para o outro; e o foco passou a ser a dor alheia. Era um convite, para ver mais o outro do que eu mesma. E fui seguindo, aparentemente tudo estava indo bem, como um dom e uma habilidade que tinha e era natural seguir. Sim, essa habilidade existe, não resta dúvida, mas algo ficou esquecido, não visto. Meu trabalho é o grande laboratório que me permite olhar no espelho muitas vezes e isso é maravilhoso. Mais uma vez, por essa lente de me ver no outro, pude perceber claramente aquilo que eu estava me negando, não me permitindo.
Por outro lado, a vida proporcionou-me na medida da minha abertura. Como a defesa era grande e eu achava que não precisava tanto, foi isso que recebi. Muitas e muitas vezes passaram na minha frente, tiveram aquilo que eu queria ter. O condicionamento foi o de desenvolver mecanismos compensatórios. Não tinha o que queria, mas tinha algo melhor, mais profundo, mais valioso e por aí vai. O velho e conhecido complexo de superioridade, disfarçado em justificativas. Fiquei assim, justificando e dizendo: eu não preciso disso, tem algo melhor e mais profundo ali adiante. Mas no fundo, no fundo, queria sim o pirulito, e daí? Quero o pirulito, como todas as outras crianças querem e pulam na frente, agarram o que acham que merecem e seguram na mão dizendo: isso é meu! Aliás, eu tinha até implicância com gente assim. Claro, eu não conseguia fazer o mesmo.
Enquanto a vibração interna reflete a autossuficiência, o mundo responderá na mesma medida. É uma questão lógica. As coisas vão para quem vibra, pede, quer, gosta, deseja, persegue. Não há o que reclamar. Não tem ninguém contra você, nem as pessoas, nem as hierarquias, família ou o mundo. Se a crença diz: eu não preciso, o outro precisa mais, eu dou conta sozinha a existência responde que seu desejo é uma ordem. Simples assim! É necessário aprender a pedir, colocar-se no lugar de recebedor, de eu mereço, eu posso, eu quero, eu exijo, eu sou. Fazer parte da grande onda de dar e receber, pois ninguém subsiste muito tempo apenas dando. Isso causa desequilíbrio na ordem. O Ser pleno precisa dessas duas formas atuando para que o sistema se mantenha equilibrado e não existam compensações futuras para tapar o buraco daquilo que ficou faltando.
É a minha vez! Não apenas dizer, mas vibrar internamente isso. Para que os outros percebam claramente, respeitem e abram espaço. Mas essa autorização é interna, não é um conceito teórico. Precisa sentir de verdade e se colocar nesse lugar. O orgulho deve ceder para isso acontecer. Nem o complexo de inferioridade deve atuar. Apenas a realidade em si mesma, pois necessidades humanas são naturais e cada um tem as suas vulnerabilidades, suas feridas, suas dificuldades. Descer do lugar que se colocou um dia por causa do medo de pedir e não ser atendido, medo do abandono e rejeição, medo das subjugações e humilhações. Quem já não passou por isso na vida? Uns mais, outros menos, na medida da necessidade de mudança de cada um. Não é vergonha admitir. Estamos juntos no mesmo barco, cada um quer curar sua ferida de alma. Nisso somos tão iguais e Somos Todos Um. É bonito, consolador, verdadeiro, real, humano. Não há beleza maior que o senso de ser humano, de ser sensível, de sentir, de se perceber em todas as instâncias.
Nesse fluxo amoroso de não se ver separado do outro, é possível dizer de verdade: esse pirulito é meu, é a minha vez, essa vaga é minha, esse lugar é meu!
Fonte por Valéria Bastos
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