Aceitar as coisas “como elas são” é um dos argumentos fundamentais de Eckhart Tolle na obra “O poder do Agora” (Editora Sextante). Essa receita, que parece nos convidar ao imobilismo, é por sinal freqüentemente citada como uma das causas do estado de pobreza do povo indiano, não obstante lá se apresentar também um dos mais baixos índices de criminalidade. O teósofo C. Jinarajadasa aborda esse paradoxo em um de seus textos, ressaltando a profunda diferença entre o pensamento indiano e o ocidental, em face dos reveses da vida.
Marcado pela cultura hinduísta, o indiano típico não procura racionalizar a causa de seu desconforto, segundo Jinarajadasa. Diante de um resfriado, por exemplo, provavelmente não dirá, como faria um europeu ou americano: “Peguei esse resfriado porque tomei chuva ontem”. Para ele tudo é fruto do carma, de uma sucessão de causas e efeitos cujo início pode até se encontrar muito longe daquele momento específico. Em face disso, ele apenas aceitará em seu “agora” o fato de estar resfriado, ou seja, aquilo que “é”.
O relato de Jinaradasa nos leva a pensar que, não tendo o indivíduo atentado para a provável causa do resfriado, será levado a repetir o problema. Mas o que ocorre quando pensamos “saber” a causa de um problema e o repetimos sempre, como é bastante comum?
Primeiramente temos que ver o sentido daquilo que “é”, segundo Tolle, e isso corresponde ao fato que se encontra diante de nós. O que é um fato? Independentemente de julgamentos, é tudo o que nos rodeia, e também o que aparece como condição de nossos corpos neste momento: perturbação, doença ou fadiga. São ocorrências do mundo fenomênico, tratadas como a Grande Ilusão (Maya) na filosofia hindu, em virtude de sua impermanência.
Podemos negar a impermanência de tudo o que vivemos agora, seja em matéria de saúde, bens materiais ou relações afetivas? Tudo isso dentro em pouco, ou no máximo alguns anos, vai mudar, vai passar, mas atuamos em nosso mundo de inconsciência como se fosse durar para sempre. Aí, nossa ânsia de prolongar o prazer (ou evitar a dor) nos faz correr atrás de qualquer mágica que possa apagar de nossa frente aquilo que “é”: a impermanência.
Apesar da impermanência de tudo, neste momento cada situação é um fato, incluindo nossos limites pessoais. E aí está um dos maiores problemas de convivência: ignorando nosso limite ou o limite alheio como um fato – dentro da natureza do agora – esperar dos outros mais do que podem nos dar, e até mais do que o nosso direito de pedir.
Ao nos sugerir a aceitação daquilo que “é”, Tolle não nega a validade de se tentar mudar, buscando, por exemplo, o remédio para uma doença. Ele diz “Aceite” e depois, se for o caso, “Aja”. Qual é o efeito disso? Quando você aceita a situação, agradável ou desagradável, apenas comoum fato – e não como algo a que se agarrar (ou rejeitar) de imediato – deixa de fazer o eterno jogo da polaridade prazer-dor, repetindo os problemas. Aí surge à sua frente um outro fato: a escolha mais sábia e menos dolorosa possível, por nascer de seus canais espirituais, intuitivos, e não de sua mente, que é prisioneira da reatividade e do tempo.
Esse talvez seja o resultado da fé que produz “milagres”, ou da resignação indiana que, se é boa ou má, de fato não podemos avaliar. Em ambos os casos, porém, a implícita atitude de entrega deve abrir caminho para nosso Deus Pessoal. Infinitamente mais capaz do que o intelecto para fazer escolhas, ele é livre do tempo, em harmonia com a Vida Universal.
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